Quase fui um KAMIKAZE…
Eu cursava o segundo ano da Universidade de Tóquio quando estalou a guerra no Pacífico. Ardendo em mim o ideal de fazer alguma coisa grande pela minha pátria e pelo meu Imperador, ofereci-me como voluntário na frota dos submarinos.
Inventaram então os torpedos humanos: potentes bombas guiadas por voluntários, metidos dentro, que dirigiam e faziam explodir esses engenhos mortíferos no casco dos navios, nossos inimigos.
Como me dominava o ideal apaixonante de fazer o máximo possível, alistei-me como voluntário na flotilha desses torpedos suicidas.
Nessa altura acreditava sinceramente que o Imperador do Japão era Deus e pensava que, morrendo ao seu serviço, receberia grande recompensa depois da morte.
Cada dia, ao ouvir a lista dos nomes dos meus colegas que tinham dado a vida pela pátria e pelo Imperador na explosão dos torpedos, sentia dentro do meu peito incrível emoção e perguntava-me a mim mesmo:
— Quando chegará a hora em que também eu entrarei num torpedo?
Durante vários meses vi partir os afortunados companheiros que marchavam para aquela heroica e mortal aventura. Tinha-lhes inveja!
Por fim ouvi o meu nome! Era chegado o dia do meu grande heroísmo e da minha recompensa para além da morte. Pela manhã soaram as sirenes avisando-nos que estivéssemos prontos para entrar em ação. A minha vibração e entusiasmo foram incríveis quando ouvi, através dos alto-falantes, o meu nome. Era um dos escolhidos para dirigir um torpedo de morte. Ia finalmente dar a vida pela Pátria e pelo Imperador!
Deram-me sete minutos para revistar os motores e os aparelhos.
Vesti o meu traje de escafandro e, antes de me sentar ao volante, lavei o rosto e refresquei a testa, porque queria estar plenamente consciente, sem sombra de enjoo, nos últimos momentos da minha vida. Contendo a respiração, esperava o sétimo minuto para ouvir o sinal de partida e lançar-me disparado para o mar e daí para a eternidade.
Sucedeu então o imprevisto: as sirenes soaram longamente em toque de atenção. Com o meu nervosismo quase punha o motor em andamento e me lançava para a frente sem esperar a hora exata da partida. Contive-me, porém, continuando atento. O que eu ouvi não foi a ordem de marchar, mas uma contra ordem. Deixar os torpedos suicidas e voltar para o porto.
Todos nós, os rapazes da morte, manifestamos ansiedade e contrariedade nos nossos olhares, perguntando uns aos outros:
— Que foi isto? Por que mudança tão repentina?
Já tínhamos deixado cartas de despedida escritas aos pais, às noivas, aos amigos, comunicando-lhes que íamos morrer pela Pátria e pelo Imperador. Até tínhamos encarregado alguém de deixar essa correspondência no correio.
Em breve chegou até nós a terrível notícia, mais terrível que metermo-nos no torpedo para morrer. Era a madrugada do dia 15 de Agosto de 1945: a guerra tinha terminado. O nosso Império japonês estava vencido e pedia a paz sem condições. Mordi a língua de raiva e muitos dos meus companheiros choravam.
Durante longo tempo os nossos corações ficaram invadidos pela sensação da derrota e do fracasso. Numerosos colegas não puderam suportar a ideia de o Japão ter ficado derrotado e acabaram com a vida suicidando-se. Para mim o mais impressionante e doloroso foi ouvir pela rádio a mensagem em que o Imperador anunciava a todos os japoneses, que não era Deus, mas um homem como outro qualquer. (Mais tarde soube-se que foram os americanos que o obrigaram a fazer tal declaração). Pareceu-me que tudo desmoronava à minha volta. A minha vida estava vazia de sentido. Por que andava eu a combater por um homem como os outros?
Certo dia, dando voltas a tão preocupantes e tristes pensamentos, passei por acaso diante de um edifício em que entravam jovens sorridentes e alegres. Movido pela curiosidade, juntei-me a eles e entrei no recinto. As primeiras palavras que ouvi gravaram-se de tal modo na minha alma, que jamais as esqueci:
“Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nasceu por nosso amor, amou-nos a tal ponto que deu a sua vida para nos salvar a todos”.
Sem saber, tinha entrado pela primeira vez numa igreja católica, onde um sacerdote dirigia a palavra aos fiéis. Foi a primeira vez na minha vida que ouvi falar em Jesus Cristo. Senti aí uma impressão muito profunda.
Eu estava para dar a vida por quem não era Deus, quando tinha sido salvo por um Deus que se fez homem. Compreendi um pouco o seu amor e pensei: “Por este Homem-Deus não havia eu de fazer nada?”
Continuei a frequentar aquela igreja para instruir-me na fé católica, até que falei com um sacerdote. A história de Jesus que nasceu pobre e morreu a amar e perdoar foi luz que iluminou a minha alma. Por misericórdia do Senhor recebi a fé e fui batizado.
Eu queria fazer alguma coisa grande por Jesus Cristo, como antes tinha desejado fazê-la pelo meu Imperador e pela minha Pátria.
Hoje, pela graça de Deus, não só sou cristão, mas também sacerdote católico. Convenci-me que só pelo sacerdócio me poderia entregar todo àquele Senhor que tanto me amou e deu a sua vida por mim. Agora o meu ideal é trabalhar para que todos os meus irmãos japoneses recebam o benefício da fé e a felicidade eterna. Padre Ooki, S.J.
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