A verdadeira amizade
Quem conta um conto, acrescenta um ponto?
Nem sempre. Por vezes, quem conta um conto, ensina a bem viver.
Assim como o adocicado do xarope ajuda a criança a tomar o medicamento, a beleza de uma história – real ou fictícia – pode facilitar a aceitação de verdades difíceis de serem assimiladas.
Na nossa época, mais do que a insegurança ou as privações de ordem material, outro mal assola multidões: o isolamento. Paradoxalmente, nunca os homens viveram tão cercados pelos seus semelhantes, e nunca cada qual se sentiu tão só, tão isolado. Por quê?
Toda a gente procura alguém que o compreenda. Ter amigos é uma necessidade do ser humano. O instinto de sociabilidade, mais entranhado no homem do que o próprio instinto de conservação, procura esse apoio gerado em função de afinidades profundas por onde as pessoas se entendem e se querem bem.
Alguma coisa no nosso interior pede esse convívio pleno de harmonia e de benquerença. Apetência que decorre, em última análise, de uma saudade e de uma esperança. Saudade de um paraíso perdido, que não chegamos a conhecer, e esperança de uma bem-aventurança eterna, que tanto desejamos.
Um daqueles famosos contos das terras das “mil e uma noites” relata-nos a história de uma verdadeira amizade. Tesouro que todos procuram, e raros o encontram.
* * *
Amir e Farí eram dois ricos mercadores e grandes amigos que sempre viajavam juntos para vender os seus produtos.
Numa dessas viagens, ao passarem junto de um rio caudaloso, Farí resolveu banhar-se. Em dado momento, distraiu-se e foi arrastado pela correnteza. Amir, vendo que o seu grande amigo corria risco de vida, atirou-se nas águas e, com muito esforço, conseguiu salvá-lo.
Farí chamou um dos seus escravos e mandou gravar numa rocha que ali estava a seguinte frase: “Aqui, ao dar grande prova de amizade, com risco da sua própria vida, Amir salvou o seu amigo Farí”.
Ao retornarem passaram pelo mesmo lugar, onde se detiveram para um rápido repouso. Enquanto conversavam, entraram em discussão e Amir, alterando-se, esbofeteou Farí. Este se aproximou das margens do rio e, com um galho, escreveu na areia: “Aqui, por motivos fúteis, Amir esbofeteou o seu amigo Farí”.
O escravo que fora encarregado de escrever na pedra o agradecimento de Farí, perguntou-lhe:
– Meu senhor, quando fostes salvo das águas, mandastes gravar aquele feito na pedra. E agora escreveis na areia o agravo recebido. Por que o fazeis assim?
E Farí respondeu-lhe:
– Os atos de bondade, de amor e abnegação devem ser gravados na rocha, para que todos aqueles que tiverem oportunidade de tomar conhecimento deles, procurem imitá-los. Ao contrário, quando recebemos uma ofensa, devemos escrevê-la na areia, perto das águas, para que desapareça, a fim de que ninguém tenha notícia dela. E, acima de tudo, para que desapareça prontamente qualquer mágoa do nosso coração.
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Bela lição, que nos faz pensar na amizade louvada na Sagrada Escritura nestes termos:
“Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem achou, descobriu um tesouro. Nada é comparável a um amigo fiel; o ouro e a prata não merecem ser postos em paralelo com a sinceridade da sua fé” (Eclo 6, 14-15)!
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