Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor nem se magoe com a sua repreensão.

De que maneira devemos aceitar as repreensões que recebemos para que estas nos santifiquem? Discorramos um pouco acerca deste tema tão decisivo para nossa salvação eterna.

Possivelmente, a maior dificuldade do homem concebido no pecado original apresenta-se quando sente em si uma forte e agradável atração oposta ao dever, acompanhada de uma espécie de cegueira por onde a pessoa não discerne claramente o mal encerrado naquilo que a seduz.

Ora, posto nesse estado de atração, não há nada que o homem mais deteste do que ouvir falar em virtude, em obediência aos Mandamentos e castigos.1 Entretanto, ainda que o homem não goste de ser desviado daquele caminho ao qual sua concupiscência o conduziu, deve escutar estas paternais palavras que Deus lhe dirige: “Meu filho, não desprezes a correção do Senhor, nem te espantes de que ele te repreenda, porque o Senhor castiga aquele a quem ama, e pune o filho a quem muito estima” (Pr 3,11,12). É uma verdadeira prova do amor que Deus nos tem o fato de que nos repreenda, pois diz a Escritura: “Aquele que poupa a vara quer mal a seu filho; mas o que o ama corrige-o continuamente” (Pr 13,24). O que seria de nós se não tivéssemos uma mão afetuosa que nos impede de cair no abismo?

                                                                           Rei David sendo repreendido pelo profeta Natã.

Uma das maneiras de fazer transparecer o amor do superior para com súdito é corrigir-lhe e admoestá-lo de suas faltas para que possa emendar-se. O superior que ama verdadeiramente seu filho espiritual lhe deseja o bem, agindo como verdadeiro pai. 2

São João Clímaco compara, com muita unção, a crueldade de alguém que retira o pão das mãos de um menino faminto, com a daquele que tem obrigação de corrigir e não o faz. Este último causa dano não só a seu próximo mas também a si próprio. Ver-se-á, por essa omissão, privado dos méritos e benefícios do cumprimento desse dever e acabará por escandalizar os que constatam sua negligência.3

Mas, cabe-nos perguntar: Quem tem o dever de corrigir? São Tomás nos responde: Esta obrigação é de todos para com todos, 4 mas se intensifica quando Deus põe a nosso cuidado certas almas.

O próprio Salvador nos deixou este ensinamento: “Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás ganho teu irmão” (Mt 18, 15). São Tomás afirma que corrigir o próximo, desde que se presuma que será bem aceito, constitui uma verdadeira obrigação, ligada à virtude da caridade.5 Por isso, a correção fraterna é uma das maiores obras de misericórdia que podemos praticar em relação ao próximo.6 Nosso Senhor não está somente nos aconselhando, mas está nos dando um mandato: “repreende-o “. Ele deixa claro que todos têm esta obrigação moral: “O que vos mando é que vos ameis uns aos outros”. ( Jo 15, 17)

Entretanto, no cumprimento deste fundamental dever não podemos deixar que penetre nas nossas almas qualquer fimbria de orgulho, pois devemos exercê-lo por amor a Deus. Claramente no-lo diz Monsenhor João Clá Dias: “Evidentemente, na aplicação deste preceito, não se deve agir com alguma paixão, por menor que seja. A isenção de ânimo é fundamental. Toda caridade deverá ser empregada na delicadíssima tarefa da reconciliação.”7

Contudo, em muitas ocasiões apesar da correção ser ouvida com ressentimento, pois atinge o amor-próprio, a consciência daquele que soube repreender corretamente fica em paz pela tranquilidade do bem realizado. Quem admoesta o próximo, não pelo exagerado gosto de corrigir — que é a mais vil das vaidades —, mas com o verdadeiro desejo de incentivar o progresso espiritual, esse sim é que ama seu irmão.8

Para mostrar melhor esta atitude, Monsenhor João a exemplifica dizendo que na vida de todos os dias, não é difícil acontecer que saiamos de casa distraidamente com algum desalinho em nossa apresentação: meias de cores diferentes, roupa mal colocada, etc. Basta que, por caridade, alguém nos advirta, para nós nos manifestarmos cheios de gratidão; se, pelo contrário, ninguém nos avisasse, ficaríamos ressentidos. Ora, com mais razão devemos agradecer a quem nos admoesta pela nossa falta de virtude, sobretudo naquilo que possa vir a constituir escândalo.9

Quem possui a Sabedoria, quando corretamente repreendido, torna-se agradecido sem jamais guardar qualquer ressentimento. Ao contrário, quem se lamenta por ser admoestado, não possui a sabedoria, pois na repreensão é que se mostra o valor do homem.”10

Lembremo-nos, entretanto, de que o ato de virtude de chegar a amar àquele que nos repreende só pode ser fruto de uma graça. Saibamos pois, abrir nosso coração para toda e qualquer repreensão vinda de Deus através daqueles que nos mostram, de uma ou outra maneira, os nossos defeitos. Desta maneira alcançaremos a finalidade para a qual fomos criados: ver a Deus face a face.

 

 

1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Alma feita de harmonias. In: Dr. Plinio. São Paulo: Ano X, n. 114, set. 2007, p. 8.
2 RODRIGUEZ, Alonso. Ejercicio de Perfección y virtudes cristianas. Madrid: Testimonio, [s.d]. p. 1636.
3 CLA DIAS, João Scognamiglio. A correção fraterna, uma opção ou um dever? In: Arautos do Evangelho. São Paulo. n. 81, set. 2008. p. 11. 40p. cit. q.33, a.2.
4 S. Th. II-JI, q.33, a.3.
5 Loc. cit.
6 ROYO MARIN, Antonio. Espiritualidad de los seglares. Madrid: BAC, 1967. p. 335.
7 CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Op. cit. p. 11.
8 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Quem encontra um amigo fiel, descobre um tesouro! — II In. Dr. Plinio. São Paulo: Ano XIII, n. 149, ago. 2010, P. 22.
9 CLA DIAS, João Scognamiglio. Op. cit. p. 12.
10 CORRÊA DE OLIVEIRA, Op. cit. p. 22.

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